Comecei minha
vida escolar aos cinco anos de idade. Já se foram 42 anos! Relembrar detalhes?
Muito tempo se passou. Não lembro de pessoas inteiras, lembro de rostos ou
corpos. Lembro do corpo carinhoso da merendeira gorda. Não lembro do seu rosto,
porque talvez minha altura não me permitisse vê-la por inteiro. Lembro do rosto
da terna professora que tinha um formato de óculos, pois era algo que se
destacava nela. Lembro do cabelo loiro da diretora. E passei a ter medo de
gente loira, apesar de ser loira também. Tudo para mim era enorme: as rampas da
escola, a quadra, as árvores que a circulavam. Sempre tive medo da escola, pois
ela me separava da minha mãe. Meus amigos e amigas perderam seus rostos no
tempo. Hoje em dia só tenho duas amigas com rostos, pois ainda fazem parte da
minha vida. Rostos e corpos. Pessoas completas!
Mudei de
escola. Uma escola ainda maior. Colégio de freiras. Hábitos que pareciam não
andar e sim flutuar pelos corredores. Não havia barulho. A imagem que eu tinha?
A do silêncio. E a imagem da minha mãe indo embora.
A escola tinha
(e ainda tem) uma capela com um relógio. Adorava o badalar do relógio. Hora
certa. Hora e meia. Chegando a hora de ir para casa. Era muito tímida e gostava
do meu cantinho, da minha segurança. Até hoje é assim.
Fui uma criança muito feia para os padrões da época. Eu
usava óculos (tenho alta miopia). Algo nada comum nas crianças há alguns anos
atrás. Então eu não tinha nome. Eu era a “quatro olhos”. E era assim que me
via: com quatro enormes olhos azuis. Refugiei-me nos livros. Letras e imagens.
Um lindo mundo. Identifiquei-me imediatamente com a frase de Jorge Furtado no
texto A MÁGICA DA IMAGEM, onde ele diz: “... A segunda dívida do mundo das imagens é com
a palavra. Nascidas juntas no teto da caverna, imagens e palavras traçaram
caminhos próprios. E se hoje as imagens encontraram seu altar nas novas
tecnologias de cinema e vídeo, a palavra continua tendo na literatura,
especialmente na poesia, a sua catedral...” Passei a escrever
e a desenhar. Desenhava mais que escrevia. Hoje já não mais desenho, mas
escrevo muito. Desenhava tudo o que eu queria ser, ter, ou lugares onde
gostaria de estar. Tinha desenho espalhado por tudo que era lugar da casa.
Desenhava nas paredes e minha mãe não perdoava. Palmadas! Desenhava na mesa.
Palmadas! Agora escrevendo este texto e tendo lido os textos da disciplina,
percebo o quanto as imagens foram responsáveis pela minha formação. Adoro
freqüentar exposições, participei de concursos de pintura quando era criança (e
ganhei!). Também tenho um certificado da OEA por ter participado de um concurso
promovido pela organização. Meus troféus!
À medida que crescia as
pessoas não eram só partes, passei a vê-las inteiras e a desenhá-las. Através
do desenho me destacava. Sofria quando não conseguia a perfeição. Eu sabia como seriam os traços, mas ainda não dominava
técnicas.
Mas tarde, entrando na
adolescência e abandonando os óculos (benditas lentes de contato!). Passei a
desenhar os vestidos, blusas. Quando era convidada para algum baile de
debutante, meus vestidos se destacavam, por não seguirem o comum. Gostava da
imagem de vestidos leves, etéreos.
Definitivamente não me
encaixava nos padrões ditos normais. Meu gosto musical sempre foi diferente.
Meu visual sempre foi diferente. Nada que fosse chocante, transgressor. Gostava
de ter uma imagem de menina “chique”. Preferia calças de tecido, ao jeans. Nada
de camisetas, mas sim blusas desenhadas por mim. Pintava e bordava lenços que
colocava no bolso do blazer. Quando tive meu primeiro namorado, pintava
camisetas exclusivas para ele. Realmente imagem para mim era, e é, muito
importante.
O tempo foi passando, e
eu deixei de lado imagens e letras. Casei, tive um filho. E essa era a única
imagem que me interessava: meu filho! Nasceu prematuro, muito doente e até hoje
lembro de tudo que havia na UTI, onde ele ficou por 21 dias.
Exigia cuidados 24 horas por dia. Quando essa fase passou, entrei em
profunda depressão. Aí sim, as imagens que me perseguiam eram assustadoras:
pessoas me seguindo, aviões caindo sobre mim e outras que não tenho coragem de
dizer. A psiquiatria me ajudou, mas o desenho me salvou. Ia para as sessões de
terapia sempre acompanhada de um bloco e quando não queria falar, eu desenhava.
Sei que meus desenhos ajudaram muito meu psiquiatra a me ajudar. Um ajudava ao
outro! E para tentar me entender, comecei a ler Jung. Um dia desenhei a casa
dele e levei para a terapia. Sei que o desenho emocionou o psiquiatra e lhe dei
de presente. Gostaria de ver esse desenho de novo. Passei eu mesma a
interpretar meus desenhos enigmáticos. Foi a minha cura e a despedida da
terapia.
Hoje gosto muito de
fotografar, principalmente flores. No caminho, sempre há flores. Estou
desenvolvendo um olhar cada vez mais sensível e isto tem me agradado e agrada
também quem vê minhas fotos. Ângulos diferentes.
Vamos mudando e nosso
foco também. Ficamos mais seletivos. É difícil não ser influenciado pelo
excesso de informação que nos assola diariamente. E também o que vemos com
constância, passa a não ser mais visto. Acostumamos com o que é belo e com o
que é feio. Ignoramos e até esquecemos.
Hoje escrevo muito.
Adoro redes sociais. Mas nunca há um texto meu que não seja acompanhado de uma
imagem. A internet é o paraíso imagético. Fotos, ilustrações, mostram muito de mim. É
esse um jeito simples de comunicação.
Imagens me construíram.
E eu sou a imagem que transmito e também a imagem que quero transmitir. São as
adaptações diárias e necessárias nesse mundo em que vivemos.
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ResponderExcluirCapela do Colégio Santa Isabel - Petrópolis
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